Introdução

A condução de pleitos contratuais em projetos de engenharia da construção industrial é, por natureza, uma atividade repleta de conversas difíceis. Mesmo alinhando bem as expectativas na fase pré-assinatura do contrato e uso de matriz de riscos (e outros instrumentos), o ambiente de projetos industriais é propício para imprevisibilidades. Questões relacionadas a escopo, atrasos, mudanças de projeto e reequilíbrio econômico-financeiro exigem não apenas embasamento técnico e jurídico, mas também preparo emocional, escuta ativa e habilidade para lidar com diferentes pontos de vista. Foi com esse olhar que a leitura do livro Conversas Difíceis: Como discutir o que é mais importante, de Douglas Stone, Bruce Patton e Sheila Heen, mostrou-se extremamente pertinente para profissionais que atuam em ambientes de alta complexidade e pressão.

O livro, fruto do trabalho do Harvard Negotiation Project, apresenta uma estrutura poderosa para entender por que tantas conversas fracassam — e como transformá-las em oportunidades de aprendizado e resolução. Os autores defendem que toda conversa difícil envolve três camadas: o que aconteceu, os sentimentos envolvidos e a identidade em jogo. Quando essas dimensões são ignoradas, os diálogos tendem a virar confrontos. Quando são reconhecidas e bem conduzidas, surgem caminhos de entendimento e acordo — exatamente o que se busca em um processo de negociação de pleitos.

Frase – Humberto Terra, diretor da ATERPA

Essa visão se conecta de forma complementar ao artigo Effective Negotiation of Construction Claims, de Eugene J. Heady, advogado especializado em contratos de construção. Heady enfatiza a importância de preparar um dossiê técnico robusto, mapear o BATNA (melhor alternativa ao acordo negociado), conhecer os argumentos da parte oposta e negociar em boa-fé. Unindo as abordagens de Stone e Heady, este artigo explora como as conversas difíceis impactam a gestão de contratos e apresenta orientações práticas para profissionais da engenharia lidarem com pleitos de maneira mais estratégica, humana e eficaz.

Conversas Difíceis e Negociação de Pleitos

A gestão de contratos na construção industrial frequentemente exige o enfrentamento de situações carregadas de tensão, interesses conflitantes e interpretações divergentes do contrato. É nesse contexto que os conceitos de conversas difíceis, abordados por Douglas Stone e seus colegas da Harvard Negotiation Project, se entrelaçam com as recomendações técnicas e jurídicas apresentadas por Eugene J. Heady para a negociação de pleitos (claims). Ambos os autores, ainda que em universos distintos, convergem na importância de preparar-se emocional e estrategicamente para conversas de alta complexidade.

O livro “Conversas Difíceis” defende que por trás de toda conversa complicada existem três diálogos ocultos: o que aconteceu, os sentimentos envolvidos e o impacto sobre a identidade dos participantes. Ao traduzirmos isso para a realidade de um pleito contratual, percebemos que os conflitos não se restringem a fatos e cláusulas contratuais, mas envolvem percepções de injustiça, frustração e, muitas vezes, ameaças à reputação profissional ou à identidade da empresa. Eugene Heady, por sua vez, reforça que a negociação de um pleito eficaz depende de compreender não apenas a própria posição, mas também as motivações, pressões e receios da parte contrária.

imagem 1 – como manter a calma em conversas difíceis

Enquanto Heady enfatiza a necessidade de elaborar um dossiê técnico robusto e factual para demonstrar a validade do pleito — com narrativas bem documentadas, cláusulas contratuais e evidências visuais —, o livro “Conversas Difíceis” lembra que, para que essa informação seja útil na prática, ela precisa ser comunicada de forma que o outro lado se sinta ouvido e respeitado. Muitas negociações fracassam não por falta de argumento técnico, mas por falhas de escuta ativa e por tentativas de impor uma única versão da verdade, sem considerar a perspectiva da outra parte.

Outro ponto de convergência entre os autores está na valorização do preparo emocional. Heady sugere que, ao negociar um pleito, deve-se evitar reações impulsivas e adotar uma postura baseada em fatos e alternativas concretas, como a construção do BATNA (Best Alternative to a Negotiated Agreement). Stone, Patton e Heen explicam que esse preparo passa também pela gestão da identidade: reconhecer que não somos perfeitos, que podemos ter contribuído para o problema e que isso não nos desqualifica como profissionais. Ao aceitar essa complexidade, o negociador se fortalece emocionalmente para lidar com impasses.

Ambos os textos também alertam para o risco de entrar numa negociação com o objetivo único de “vencer” o debate. O livro sobre conversas difíceis orienta a buscar um “terceiro enredo” — uma narrativa neutra que reconhece as diferenças e convida à construção conjunta de soluções. Heady, por sua vez, reforça que uma negociação bem-sucedida exige boa-fé, escuta mútua e flexibilidade. Quando um dos lados insiste apenas em seus direitos, sem reconhecer as posições e limites do outro, o ambiente de hostilidade se instala e inviabiliza qualquer acordo produtivo.

Por fim, a combinação das ideias de ambos os autores oferece aos profissionais da construção uma lente mais humana, técnica e estratégica para lidar com pleitos e disputas contratuais. Reconhecer o peso emocional das conversas difíceis e, ao mesmo tempo, preparar-se tecnicamente para sustentar um pleito bem fundamentado é o caminho para transformarmos conflitos em acordos e desacordos em oportunidades de aprendizado. Negociar pleitos, afinal, é mais do que discutir valores: é dialogar sobre expectativas, frustrações e a busca por soluções sustentáveis para ambas as partes.

5 Dicas para Conduzir Conversas Difíceis em Pleitos de Engenharia

Conduzir um pleito contratual em projetos de engenharia industrial é um dos maiores desafios enfrentados por gestores. A tensão entre contratante e contratado, a rigidez dos prazos e a pressão por resultados criam um ambiente propício para conversas difíceis. Com base nas orientações de “Conversas Difíceis” e no artigo de Eugene J. Heady sobre negociação de pleitos, apresentamos cinco dicas práticas para transformar disputas em diálogos produtivos — com exemplos reais dos setores industriais brasileiros.

1. Separe o que aconteceu das interpretações e busque a visão do outro lado

🎯 Setor: Mineração

No calor de uma disputa, é comum confundir fatos com julgamentos. Uma escavadeira parada por cinco dias pode gerar narrativas completamente diferentes: para o contratado, foi falta de liberação do cliente; para o cliente, o equipamento estava sem manutenção preventiva. A dica aqui é usar a abordagem do “terceiro enredo” — apresentar os fatos e reconhecer que existem diferentes percepções legítimas.

Exemplo: Em um projeto de mina em Minas Gerais, a contratada alegou atraso por não liberação de frente de lavra, enquanto a mineradora defendia que a empresa não havia mobilizado o número acordado de equipamentos. A mediação só evoluiu quando ambas as partes sentaram com os diários de obra e compararam suas interpretações, adotando uma visão conjunta do ocorrido.

2. Prepare-se emocionalmente antes da reunião e administre reações

🎯 Setor: Siderurgia

Pleitos envolvem desgaste emocional. Ao ser acusado de não cumprir um escopo ou ao ouvir que seu pleito é “infundado”, é fácil perder o controle. Conversas Difíceis ensina que o impacto emocional deve ser reconhecido — não negado. Heady sugere escolher negociadores que saibam separar as pessoas do problema.

Exemplo: Em uma parada de manutenção em uma usina siderúrgica no Espírito Santo, a empresa de montagem foi acusada de não cumprir a troca de tubulações dentro do cronograma. O gestor da contratada respirou fundo, pediu uma pausa na reunião e retornou propondo revisar a curva S junto com o fiscal da obra. A serenidade na condução reverteu a tendência de conflito em cooperação.

3. Construa um dossiê técnico consistente e use-o como âncora da conversa

🎯 Setor: Papel e Celulose

Antes de negociar, é preciso dominar os fatos, reunir provas e montar um documento técnico claro. Heady recomenda que o pleito seja estruturado com cronologia, fundamentos contratuais, impactos e evidências. Isso traz segurança ao negociador e transmite seriedade à contraparte.

Exemplo: Em um projeto de expansão de fábrica no sul da Bahia, uma empresa de piping solicitou reequilíbrio por mudanças no layout. A equipe de contratos só se abriu à negociação quando recebeu um pleito bem documentado, com desenhos comparativos, memorial descritivo e cálculos de horas-homem adicionais. O formato técnico diminuiu o atrito e acelerou o acordo.

4. Demonstre escuta ativa e reconheça os sentimentos do outro lado

🎯 Setor: Óleo e Gás

Conversas difíceis não se resolvem com argumentos técnicos apenas. O outro lado precisa se sentir ouvido. Conversas Difíceis ensina que reconhecer emoções (sem julgar) é essencial para baixar defesas. Repetir com suas palavras o que ouviu ajuda a validar a experiência da outra parte.

Exemplo: Em um projeto de FPSO, um fornecedor internacional ficou indignado com sucessivas revisões de escopo. Em vez de rebater, o gerente de contratos da operadora repetiu com empatia os pontos de frustração e perguntou: “O que você precisaria para voltar a confiar que vamos estabilizar o escopo?” A partir dali, abriu-se um canal de renegociação mais colaborativo.

5. Estabeleça uma meta clara para a conversa e negocie em boa-fé

🎯 Setor: Energia

Conversas difíceis sem objetivo tendem a virar acusações recíprocas. Heady recomenda definir o BATNA (melhor alternativa sem acordo) e entrar na negociação com propósito claro: aprender, expressar seu ponto de vista e buscar solução conjunta.

Exemplo: Durante a implantação de uma subestação de energia no Pará, o pleito sobre fundações extras estava travado. O gestor da EPCista iniciou a reunião dizendo: “Nossa meta aqui é validar tecnicamente a divergência e buscar uma solução dentro dos limites contratuais, antes de recorrer à mediação externa.” Com isso, estabeleceu um tom construtivo que resultou num acordo em três dias.

Essas cinco dicas mostram que negociar pleitos não é apenas um ato técnico ou jurídico, mas, acima de tudo, uma habilidade humana e relacional. Ao unir preparação técnica, empatia, escuta e clareza de propósito, as conversas difíceis tornam-se menos ameaçadoras e mais produtivas — mesmo nos ambientes desafiadores da construção industrial.

Conclusão

Negociar pleitos contratuais no setor de engenharia da construção industrial exige mais do que domínio técnico e jurídico. Exige, sobretudo, a capacidade de conduzir conversas difíceis com equilíbrio emocional (veja a imagem 2), escuta ativa e clareza de propósito. A leitura do livro Conversas Difíceis, somada à abordagem prática de Eugene Heady sobre a negociação de pleitos, reforça que os melhores resultados surgem quando há preparo, empatia e disposição para compreender a perspectiva do outro. A gestão de contratos em ambientes complexos, como mineração, energia, papel e celulose, óleo e gás e siderurgia, se beneficia enormemente dessas competências.

imagem 2 – Conversas difíceis em pleitos de construção (mapa mental)

imagem 2 – conversas difíceis em pleitos

Ao aplicar esses princípios, o profissional de engenharia passa a atuar não apenas como executor de contratos, mas como mediador de interesses e facilitador de soluções. Isso fortalece relações, reduz litígios e gera ganhos em prazo, custo e reputação para todos os envolvidos. Incorporar essas práticas ao dia a dia dos contratos pode representar a diferença entre um conflito paralisante e uma solução construtiva.

 

Referências

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