O mais difícil não é fazer, é decidir, começar e terminar. Quantas e quantas dietas resolvemos iniciar e não foram para frente? Quantos livros foram lidos pela metade? Quantas amizades se perderam pelo fato de não se querer prosseguir?

O Caminho de Santiago traz este desafio. Preparar, começar a caminhar. “Uma hora é preciso partir”. Ano passado (2015) a bondespachense Carina Campos, esteticista, resolveu fazer este percurso e encarar seu lado aventureiro e de autoconhecimento. O desafio começou!

Este artigo é o segundo de uma série de 3 onde vou contar a Preparação, Durante e Depois de toda essa magia que é fazer um Projeto de Aventura.

Logo no início: encarando os Montes Pirineus a 2 graus, com chuva, granizo, vento e neblina.
Logo no início: encarando os Montes Pirineus a 2 graus, com chuva, granizo, vento e neblina.
Caminhando: vista de Santo Domingo de La Calzada.
Caminhando: vista de Santo Domingo de La Calzada.

Paradinha para descanso.

1) Qual foi o dia de início no Brasil (ou seja, sua partida)? De onde saiu no Brasil e onde chegou na Europa? Qual foi a cidade de saída e qual dia? Quantos dias durou a caminhada e qual o dia que chegou no destino final? Que dia voltou para o Brasil?

Parti de São Paulo com destino a Madrid no dia 12 de maio de 2015. Cheguei a Madrid no dia 13 e peguei neste mesmo dia um trem com destino a Pamplona onde dormi. Dali mesmo parti no dia 14, de ônibus, para Saint-Jean-Pied-de-Port (SJPP) cidade que fica na França, divisa com Espanha aos pés dos Pirineus. Parti no dia 15 para a caminhada que estava programada para ser feita em 33 dias mas acabei fazendo em 29 dias. Cheguei em Santiago de Compostela no dia 13 de Junho de 2015. Fiquei os 3 dias que me sobraram descansando. No dia 16  tomei um trem com destino a Madrid para o embarque para o Brasil e cheguei à São Paulo no dia 17 de junho de 2015.
2) No momento do primeiro passo, o que você viu na sua cabeça? Quais eram os primeiros pensamentos? 
Nunca me esquecerei desses primeiros passos e me emociono ao relembrar. Eu estava sozinha e chorei muito. Era um choro misturado com um turbilhão de sentimentos. Enfim eu havia colocado meus pés no Caminho de Santiago de Compostela. Rezei e pedi a Deus que me desse sabedoria para passar por tudo que o Caminho reservava para mim e para que fosse iluminado.
3) Como estava o tempo e condições climáticas para os primeiros dias? Pegou chuva? Como se acostumou com o clima da região?
Sai de SJPP para subir e atravessar a cadeia de montanhas dos Pireneus que faz parte da primeira etapa. Eram 9 graus e debaixo de chuva, mas lá em cima a sensação térmica era era de 2 graus aproximadamente. Eu nunca havia sentido tanto frio em toda minha vida. Com o agravante de ventos fortíssimos ao ponto de chegar a empurrar o meu corpo. Chuva de granizo e muita neblina. Eu sabia que corria o risco de pegar frio lá em cima mas não estava preparada para tanto. Não levei luvas e eu tinha a sensação que minhas mãos fossem quebrar. Foi um dia duro e depois dele qualquer dificuldade climática pelo caminho não seria nada.
4) No dia a dia como eram suas refeições e onde descansava? Alguma curiosidade sobre alimentação e hospedagem? 
Em todas as cidades em que o Caminho passa há albergue e menu só para Peregrinos. Bastava apresentar o Passaporte do Peregrino adquirido aqui na Associação para garantir essas “regalias” a preço justo. O menu do peregrino em restaurantes era completo (entrada, prato principal, sobremesa, água e vinho) muito rico em proteína e carboidrato. A maioria dos Albergues para peregrinos disponibilizavam uma cozinha equipada para aqueles que queriam se juntar a outros para cozinhar e esses jantares além de saírem mais baratos, eram os melhores pois era também a hora de confraternizar e dividir a experiência do dia com os outros. Durante a caminhada carregava lanches como pães, granola, frutas, chocolate e muita água. Levava somente o suficiente para o dia para não pesar a mochila.
O Peregrino precisa ter um saco de dormir pois os albergues não oferecem roupa de cama, somente o básico como uma cama com colchão, uma cozinha e banheiro, tudo compartilhado e muitos deles não cobram nada somente doações. Cheguei a dormir com mais de 50 peregrinos em um mesmo quarto.  Um tampão de ouvidos é um item importante para uma noite de sono tranquila.
Quarto típico dos albergues para Peregrinos.
Quarto típico dos albergues para Peregrinos.
O dia que a Carina cozinhou no albergue para seus amigos peregrinos.
O dia que a Carina cozinhou no albergue para seus amigos peregrinos.
Descansando na porta do Albergue de Berciano Del Real Camino.
Descansando na porta do Albergue de Berciano Del Real Camino.
5) Ao caminhar, qual era a sensação? Algum momento pensou em parar e terminar por ali mesmo? 
Experimentei as mais diversas sensações que alguém pode imaginar e em momento algum pensei em desistir, eu me fortalecia a cada passo que eu dava. Na primeira semana a minha cabeça estava ocupada demais com as dores do corpo. Eu precisei vencer as dores físicas e continuar caminhando. Eu não sei de onde arranquei forças pois as bolhas e as dores musculares eram muito fortes. Na segunda semana minha cabeça estava totalmente vazia e eu parecia entrar em uma espécie de transe pois eu caminhava com movimentos ritmados e tinha profundos pensamentos em nada. Na terceira semana comecei a pensar sobre coisas íntimas  a partir daí muitos sentimentos afloraram e comecei a sentir as dores da alma. É nessa etapa da caminhada que passamos pela Cruz de Ferro, um marco no caminho, e é lá que deixamos uma pedra que trazemos desde casa. Essa pedra tem um significado muito pessoal e mexe muito com o psicológico. Na quarta e última semana foi o momento de fazer um balanço de tudo que havia vivido até ali. Tudo passava como um filme pela minha cabeça e eu me emocionava muito.
Cuidados: os pés precisam de muita atenção.
Cuidados: os pés precisam de muita atenção.
6) Mencione um fato curioso de alguma pessoa ou grupo que encontrou e que conheceu e por que foi curioso?
Conheci gente do mundo todo inclusive muitos brasileiros mas duas pessoas me marcaram muito. Uma delas foi Gabriel, um brasileiro que já havia quebrado a perna em 6 lugares. Todos os dias Gabriel vencia as dificuldades extras que ele tinha para continuar caminhando os 800 km do caminho. Ele me inspirou em vários momentos. A outra pessoa foi um amigo húngaro, Zoltan que eu chamava de Zoli. Ele me marcou porque mesmo não falando a mesma língua a gente se esforçou muito para sermos entendidos e posso dizer que Zoli foi o maior amigo que tive em todo o caminho, com ele aprendi que entender e sermos entendidos é só uma questão de querer e boa vontade.
Amigos que marcaram a caminhada, o húngaro Zoltan e o brasileiro Gabriel.
Amigos que marcaram a caminhada, o húngaro Zoltan e o brasileiro Gabriel.
7) Nos momentos finais, foram mais fáceis ou mais difíceis? Como estava seu corpo? Havia perdido ou ganhado peso?
Foram mais fáceis tanto psicologicamente quanto fisicamente. Meu corpo já estava acostumado com a rotina de caminhada. No final chegava a caminhar 40 km por dia. Não perdi peso como imaginava mas troquei gordura por massa muscular.

 

Paradinha para descanso.
Um descanso é sempre bom!
Iniciando um dia de caminhada antes mesmo do sol nascer.
Iniciando um dia de caminhada antes mesmo do sol nascer.
8) Ao chegar no destino, como foi? O que você fez logo que conseguiu?
Foi muito emocionante. Caminhei sobre lagrimas os últimos 5 km. Estar ali olhando aquela Catedral novamente de frente mas dessa vez com um olhar de Peregrina foi indescritível. Após esse primeiro momento da chegada fui buscar minha Compostelana que é um documento emitido pela Catedral ao Peregrino. Assisti a tradicional Missa do Peregrino, momento singular e muito abençoado. Depois da missa fui reencontrando os amigos que fiz e que ainda estavam chegando. A alegria tomou conta de mim mas ao mesmo tempo a sensação de vazio. Foi o dia em que meu olhar se perdia a todo momento nesse vazio seguido de lágrimas junto com a pergunta: “e agora, como seria minha vida a partir daquele momento?”
Carina e seus amigos peregrinos na porta da Catedral de Santiago de Compostela.
Carina e seus amigos peregrinos na porta da Catedral de Santiago de Compostela.
Chegada a Santiago de Compostela.
Chegada a Santiago de Compostela.
Túmulo do Apóstolo Tiago, dentro da Catedral.
Túmulo do Apóstolo Tiago, dentro da Catedral.
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Esta história continua…

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One thought on “Bom Despacho no Caminho de Santiago: Durante – Parte 2 de 3

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